domingo, 24 de março de 2013

Cabelos brancos

Não faz muito tempo, cheguei no hospital com meu filho passando mal, com náuseas e vômito. Hospital cheio - pra variar - peguei uma senha e fiquei aguardando atendimento enquanto ele correu para o banheiro. Após um tempo - pra uma mãe ansiosa um longo tempo -, a atendente chamou minha senha e eu rapidamente me aproximei do guichê. Porém, assim que a atendente começou a me atender, aproximou-se um senhor dizendo pra atendente que a senha dele era anterior à minha. Eu e ele, ao mesmo tempo, oferecemos a vez um ao outro, mas, como a atendente já tinha iniciado o meu atendimento, ela disse a ele que em seguida iria atendê-lo. Ele se afastou uns dois passos, aguardando; mas, do nada, voltou-se pra mim e disse: você tem pai? Eu respondi: sim, tenho sim, graças a Deus! Ele disse: Imagino que ele não seja velho. É sim; é idoso, sim, respondi, sem entender direito a razão daquela indagação. Em seguida, ele passou a mão pelos cabelos brancos e me disse mais ou menos assim: Pois é; tá vendo estes cabelos brancos? Deveria haver mais respeito aos idosos, eu estou com a minha mulher passando mal, aguardando atendimento. Foi aí que eu entendi aonde ele queria chegar. Olhei pra atendente e perguntei: Aqui tem atendimento prioritário? Ela respondeu: Não, senhora. Temos atendimento de emergência, que é na outra sala. Só então eu me dirigi ao homem (idoso): É? Eu estou com meu filho passando mal, estamos todos aqui na mesma situação, disse olhando para os demais ao redor. E eu aguardei chamarem a minha senha. Agora, quanto aos cabelos brancos, eu; pessoalmente não respeito ou deixo de respeitar ninguém em função da cor dos seus cabelos; até porque branco por branco, o meu só não é branco porque eu tinjo. Ele continuou resmungando atrás de mim e eu o ignorei, tinha coisa mais importante a me preocupar; o meu filho.
Bom, esta história me incomodou mesmo foi depois que eu saí de lá, principalmente porque o tal homem estava muito bem fisicamente, apesar dos cabelos brancos. De bermuda, despojado, voz firme e usando os cabelos brancos pra se dar bem, pode? Pra falar a verdade, eu nem tinha visto aquele homem lá, estava preocupada e ansiosa demais pelo atendimento do meu filho - qual mãe não estaria? Quem tem prioridade num hospital? Como bem disse a atendente, se é emergência, temos uma sala própria pra isso. Só me faltava essa; ceder a vez num hospital pra um idoso pelo simples fato dele ser idoso. E nem era ele o doente; é mole?
Bom, este evento me fez pensar nos nossos velhos. Idoso aos 60 anos? Há controvérsias. Na minha opinião, boa parte deles só se considera idoso quanto convém, como neste caso. Fosse outra a situação e ele se ofenderia se eu o tratasse como idoso, tenho certeza. Afinal, quantos homens - e mulheres - estão recomeçando a vida depois dos 60? Namorando, casando e até tendo filhos. Outros recomeçando em novo emprego após a aposentadoria, até abrindo sua própria empresa. E outros simplesmente curtindo a vida, viajando, praticando esporte, etc.
Claro que há idoso aos 60 anos. Homens e mulheres com a saúde muito debilitada, velhinhos mesmo. Mas, Graças a Deus boa parte de homens e mulheres estão vivendo mais e com mais qualidade de vida. E, se a expectativa de vida aumentou, talvez seja hora de aumentar também a idade de se entrar na "Terceira Idade", "Melhor idade", idade avançada ou velhice, ou seja lá que nome defina melhor esta fase.
Pra concluir: Passada a minha raiva, entendi que aquele homem do hospital era velho mesmo - ou "velhaco"?!- mas não na idade e muito menos em função dos cabelos brancos; era velho por opção, por escolha.  Ou seja; velho no sentido literal, como está no Aurélio: De época remota; antigo; antiquado; obsoleto. E velho neste sentido qualquer um pode ser, em qualquer idade cronológica. Aí me deu até pena...
Vanda Souto.
24.03.13.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Trabalhador doméstico: igual, porém diferente.

"Nada mais desigual do que tratar os diferentes como iguais." Não sei de quem é a frase, mas achei apropriada pra ilustrar o que penso a respeito da aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) aprovada por unanimidade no Senado anteontem e que "iguala" os empregados domésticos às demais categorias de trabalhadores brasileiros em relação a direitos trabalhistas. Numa análise rápida e superficial, parece mais do que justa a medida. Afinal, em muitos aspectos eles são exatamente iguais a qualquer outro trabalhador: Cumprem uma jornada de trabalho num local específico, estão submetidos a uma determinada subordinação, recebem uma remuneração, cumprem deveres e exercem direitos. Ok; ponto. Isso os faz iguais. E já fazia antes. O ganho para esta classe agora, então, foi a ampliação dos seus direitos. Ok de novo. Agora a pergunta que não quer calar: Trata-se de uma classe operária exatamente igual às demais? Que batem cartão de ponto; que cumprem horário rigoroso de entrada e saída; que recebem tratamento formal e hierárquico; que são punidos com suspensão ou têm seu "ponto cortado" quando faltam sem apresentarem um atestado médico ou ousam contrariar uma ordem; que cumprem rigorosamente 44 horas semanais de trabalho - o que inclui os sábados -; que pagam ou têm descontada sua alimentação durante o expediente - salvo exceções -; etc.; etc.; e tal...? Quem tem ou já teve empregados domésticos sabe que não. E eles, os trabalhadores domésticos, também sabem. Então aqui vai outra pergunta que não quer calar: Estão estes trabalhadores dispostos a se submeter às mesmas condições de trabalho dos demais trabalhadores - até aqui considerados mais favorecidos e privilegiados? Se sim; que recebam o pacote completo, então: livro ou cartão de ponto para bater, desconto sobre alimentação - que a maioria dos "patrões" não pratica -, o fim das justificativas verbais para atrasos ou faltas; o trabalho aos sábados - que grande parte destes trabalhadores é dispensada hoje, mesmo recebendo por este dia - o cumprimento integral da jornada de trabalho diária - mesmo "tendo acabado o serviço mais cedo"; etc; etc; e tal.
Ora, o Brasil é o país com o maior número de empregados domésticos do mundo, sendo a maioria deles, mulheres (+ de 90%), segundo pesquisas. E boa parte deste contingente de mulheres trabalhadoras, em torno de 7 milhões, ainda segundo pesquisas, precisa pagar outra pessoa (provavelmente outra mulher) para cuidar da própria casa enquanto ela trabalha.
Ou seja; a nova medida trará o fim ou o aumento da informalidade?
Outro ponto importante a ser considerado nesta discussão é a renda média das famílias brasileiras que empregam este profissional e o impacto do custo deste profissional sobre a renda destas famílias - será uma questão apenas de justiça com este trabalhador?
Bom, números e estatísticas à parte, a meu ver a questão mais relevante a esta importante discussão está sendo, ignorada, apesar de óbvia: O trabalhador doméstico é semelhante; mas definitivamente, não é igual a um trabalhador comum. E nada mais desigual do que tratar os diferentes como iguais. Há que se encontrar uma resposta a esta questão, isto é fato; mas respaldo legal não é o bastante. As particularidades do profissional e das condições de trabalho dele precisam ser consideradas e adequadas às leis que regem a sua categoria. A grande pergunta: Como tratar de forma rígida, formal e impessoal uma pessoa que vai ficar mais tempo na sua casa do que você mesmo; que vai preparar sua comida (e não vai poder comer dela?!); que vai cuidar da sua roupa, dos seus móveis; dos seus filhos? Como ser profissional apenas, ao lidar com ela? Como dona de casa, profissional e mãe afirmo que é impossível.. É impossível para as duas partes - empregado e empregador - na prática, adequarem-se a esta nova lei. e regerem suas relações unicamente e simplesmente por ela. Estão subestimando valores intangíveis desta relação, que, quando bem sucedida, na verdade, "não têm preço!" Para as duas partes.
Vanda Souto - 21.03.13.